Há presenças tão poderosas que mesmo ausentes moldam a vida. O pai é uma delas.
Na visão sistêmica das constelações familiares, ele representa o eixo do movimento para fora, o impulso que nos lança ao mundo. Se a mãe é o ventre do pertencimento, o pai é o horizonte da realização. Bert Hellinger dizia: “O pai nos conduz ao mundo. Quando o tomamos, podemos seguir adiante.”

Mas tomar o pai não é um gesto mental — é um movimento da alma.
Muitos carregam um “não” silencioso ao pai: por julgá-lo, por vê-lo pequeno, ou por carregar as feridas que ele deixou. O resultado é uma vida que parece sempre emperrada: projetos que não se sustentam, relações que se repetem, um medo infantil de ocupar o próprio lugar. É como tentar caminhar com um pé ainda preso ao chão da infância.

Na psicanálise, Lacan chamaria o pai de “Nome-do-Pai” — a função simbólica que introduz a Lei, o limite, o desejo que se separa do desejo da mãe. É o pai que diz, ainda que sem palavras: “Você não é tudo para ela, há um mundo além de nós.” Esse corte simbólico é o nascimento do sujeito. Sem ele, ficamos presos a uma fusão inconsciente com o materno, incapazes de desejar por conta própria.

Jung, por sua vez, via o pai como arquétipo do espírito: aquele que oferece direção, consciência e sentido. O pai interior é o que nos permite dizer “sim” à nossa jornada, mesmo quando o pai humano foi frágil, ausente ou violento. Integrá-lo é reconhecer que, por trás do homem falho, existe uma força ancestral que empurra para o crescimento.

Num atendimento sistêmico, é comum que alguém diga:
— “Meu pai nunca me apoiou.”
E o campo responde:
— “Ainda assim, foi ele quem te deu o impulso da vida.”
Quando o cliente se curva, em reverência interna, algo se alinha. O corpo respira diferente. O olhar se abre. Porque o pai não precisa ser amado como foi, mas reconhecido como origem.

Tomar o pai é aceitar a metade que nos leva adiante.

É dizer: “Recebo de ti a força para fazer, para ir, para conquistar.”
E então, o que antes era ausência, torna-se presença silenciosa nas costas, sustentando o caminhar.

Como no mito de Ícaro, aquele que quis voar além do limite, sem escutar o aviso do pai, muitos se perdem por tentar negar a lei paterna — a gravidade da realidade. O pai é o chão que ensina o peso do mundo, para que o voo não se confunda com fuga.

Quando olhamos para o pai com respeito, o destino encontra o eixo.
E a alma, enfim, pode dizer: “Agora posso seguir. O que veio antes de mim está em paz.”

Questões para refletir

1. Como vejo meu pai quando fecho os olhos?

Como um homem falho, distante, ou como o portador da força que me trouxe até aqui? A imagem interna que guardo dele é a mesma que sustenta (ou limita) meu caminho no mundo.

2. Onde repito, sem perceber, a ausência ou o excesso do meu pai? 

Nos amores que escolho, na forma como lido com a autoridade, ou na maneira como me coloco diante da vida. Cada padrão é um espelho da relação original.

3. O que dentro de mim ainda resiste a dizer “sim” ao meu pai?

Esse “não” é a pedra que emperra o fluxo do destino. Quando me curvo internamente, aceitando-o como foi, abro espaço para o novo.

Coquetel de inspiração

DOSE DE SABEDORIA

⁠”Torna-se viciado aquele a quem falta algo. Para ele, o vício é um substituto. Como curamos um vício em nós? Reencontrando aquilo que nos falta. Quem ou o que falta no caso de um vício? Geralmente é o pai. Ninguém é capaz de sentir-se inteiro e completo sem seu pai.”

Bert Hellinger

(16/12/1925 – 19/09/2019)

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