Todo fim de ano é o mesmo roteiro. A mesa posta, o sorriso ensaiado, o discurso de união… e, de repente, aquela sensação conhecida de incômodo. Uma frase atravessada. Um olhar. Um silêncio pesado. Pessoas adultas se sentindo pequenas outra vez. Conflitos antigos que ninguém “queria falar”, mas que aparecem sem pedir licença.

Não é azar. Não é falta de espiritualidade. E não é porque sua família é “difícil”.

Do ponto de vista sistêmico, o Natal e o fim de ano funcionam como um campo de revelação. A família reunida ativa memórias, lealdades invisíveis, dores não reconhecidas e exclusões antigas. Aquilo que foi empurrado para debaixo do tapete durante o ano inteiro encontra, nesse período, o cenário perfeito para emergir.

Nas constelações familiares, aprendemos algo desconfortável para o ego, mas libertador para a alma:
ninguém ocupa um lugar na família por acaso.

Aquele parente que irrita, que você evita, que considera inconveniente ou inadequado, muitas vezes está a serviço de algo maior. Ele mostra, com o próprio comportamento, uma dor que não foi vista. Um destino que foi julgado. Uma história que foi rejeitada.

Quando alguém nos tira do sério, raramente é sobre o presente. É sobre algo antigo que ainda vive dentro de nós. O outro apenas encosta onde já dói.

E aqui está um ponto essencial: incluir não é gostar.
Incluir não é concordar, aprovar ou se aproximar emocionalmente.

Incluir, no olhar sistêmico, é reconhecer que o outro pertence, mesmo que eu não goste dele, mesmo que eu discorde, mesmo que eu escolha manter distância. É parar de lutar contra a existência do outro no sistema.

Toda vez que excluímos alguém internamente, o sistema encontra uma forma de nos colocar novamente diante dessa exclusão. Às vezes na figura daquele tio, daquela cunhada, daquele irmão. Às vezes em forma de repetição de conflitos, doenças, rompimentos ou sensação de não pertencimento.

O Natal nos convida, ainda que à força, a olhar para isso.

Talvez a pergunta não seja:
“Por que essa pessoa é assim?”
Mas sim:
“O que essa convivência revela sobre mim e sobre a história da minha família?”

Quando reconhecemos que estamos uns a serviço dos outros, não para nos agradar, mas para mostrar o que ainda precisa ser visto, algo muda. A tensão diminui. A necessidade de brigar perde força. O conflito deixa de ser pessoal e passa a ser compreendido como sistêmico.

A verdade, mesmo quando dói, organiza.
E só a partir dela é possível alguma forma de reconciliação real.

O que fazer com o parente que não gostamos?

Você não faz terapia para virar uma pessoa boazinha no Natal. Vamos começar por aí.

Incluir não é forçar simpatia, nem engolir desaforo com cara de iluminação espiritual. Isso é violência interna disfarçada de amor.

Do ponto de vista sistêmico, incluir é um movimento interno, não um comportamento social.

O que fazer, na prática:

Questões para refletir

1. Quem, na minha família, eu rejeito internamente e o que essa rejeição revela sobre uma dor que ainda não reconheci em mim?

Não é sobre o outro. Nunca foi. O incômodo aponta para algo antigo que pede consciência.

2. Onde eu confundo pertencimento com obrigação de proximidade e acabo me violentando em nome da “harmonia familiar”?

Pertencer não exige convivência forçada. Exige verdade e limites claros.

3. Que papel eu costumo assumir nas festas de fim de ano: o conciliador, o juiz, o excluído, o salvador ou o silencioso? A quem esse papel realmente serve no sistema?

Papéis repetidos mantêm histórias antigas vivas. Consciência abre espaço para escolha.

Coquetel de inspiração

DOSE DE SABEDORIA

“Muitos desconfiaram que certo jovem havia roubado a cabra, mas ele não confessava. Formaram uma roda em torno dele, cada pessoa elogiando as virtudes e relembrando os bons momentos que o jovem havia proporcionado. Ele não aguentou tanto amor, confessou que havia roubado e comido o animal com outros amigos e ainda se propôs a trabalhar para recompensar a cabra roubada. Isso é o que ganhamos com a inclusão, verdade e harmonia.”

Bert Hellinger

(16/12/1925 – 19/09/2019)

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